Queda no Consumo de Álcool Desafia a Coquetelaria a se Reinventar

Queda no Consumo de Álcool Desafia a Coquetelaria a se Reinventar
São Paulo, 28 de fevereiro de 2025 – O consumo de bebidas alcoólicas no Brasil e no mundo está em declínio, impulsionando uma transformação no universo da coquetelaria. Dados recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam uma redução de 15% na ingestão de álcool per capita entre 2015 e 2024 em países como o Brasil, reflexo de mudanças culturais, preocupações com saúde e o avanço de movimentos como o “sober curious” (curioso por sobriedade). Diante desse cenário, bartenders e estabelecimentos enfrentam o desafio de adaptar seus cardápios, criando opções sem álcool que mantenham o glamour e a sofisticação dos coquetéis tradicionais.
A tendência é clara: o álcool já não é o protagonista incontestável das noites. Uma pesquisa da Nielsen Brasil mostrou que, em 2024, 38% dos brasileiros entre 25 e 34 anos reduziram o consumo de bebidas alcoólicas, seja por escolha pessoal, seja por questões de bem-estar. As pessoas querem socializar sem os efeitos do álcool. Elas buscam sabor, experiência, mas com controle, explica Camila Torres, bartender premiada do bar Guilhotina, em São Paulo. Esse movimento ganhou força com a geração Z, que, segundo o IBGE, consome 30% menos álcool que os millennials na mesma faixa etária.
A coquetelaria, tradicionalmente associada a destilados como gim, uísque e vodca, está respondendo com criatividade. Os chamados mocktails – coquetéis sem álcool – deixaram de ser meros sucos disfarçados para se tornarem protagonistas nos bares. Ingredientes como kombucha, infusões de ervas, bitters não alcoólicos e até destilados zero álcool, produzidos por marcas como Seedlip e Lyre’s, estão revolucionando os menus. Hoje, um mocktail precisa ter camadas de sabor, textura e apresentação tão boas quanto um drink com álcool, diz Rafael Almeida, mixologista do Seen, na capital paulista, que lançou um cardápio com opções como o “Falso Negroni”, feito com gim sem álcool, vermute zero e um toque de grapefruit.
A adaptação vai além da receita. Estabelecimentos estão investindo em narrativas para atrair clientes. No bar Astor, no Rio de Janeiro, o bartender Fabio La Pietra criou o Jardim Secreto, um mocktail com chá de hibisco, xarope de lavanda e espuma de gengibre, servido em uma taça vintage. O cliente quer uma experiência sensorial, não só um substituto. A apresentação e a história por trás do drink contam muito, explica La Pietra. A estratégia deu certo: as vendas de bebidas sem álcool no Astor subiram 25% em 2024.
A queda no consumo de álcool também reflete mudanças econômicas e sociais. A inflação, que atingiu 4,96% no último ano, e o aumento do custo de vida levaram muitos a cortar gastos com bebidas alcoólicas, que frequentemente têm preços elevados em bares. Além disso, a pandemia de Covid-19 deixou um legado de maior atenção à saúde mental e física, com 62% dos brasileiros entrevistados pela Kantar em 2024 dizendo que evitam álcool para se sentir melhor no dia seguinte. Depois de 2020, as pessoas repensaram seus hábitos. O álcool saiu do pedestal”, observa Ana Clara Mendes, socióloga da USP.
Para a indústria, o desafio é duplo: atender a essa nova demanda sem alienar os amantes dos coquetéis clássicos. Grandes marcas estão entrando no jogo – a Ambev lançou em 2024 a Brahma 0.0%, enquanto a Diageo testa vodcas e gins sem álcool no mercado brasileiro. Já os bares independentes apostam em produções artesanais, como xaropes caseiros e fermentados naturais, para diferenciar suas criações. “O futuro é híbrido. Vamos ter menus equilibrados entre drinks com e sem álcool”, prevê Torres.
A reinvenção da coquetelaria também traz benefícios. Mocktails têm margem de lucro maior, já que os ingredientes custam menos que destilados premium, e atendem a um público mais amplo, incluindo gestantes, motoristas e quem segue restrições religiosas. No entanto, o preconceito persiste. Alguns clientes ainda acham que pedir um drink sem álcool é ‘menos cool’. Nosso papel é mudar essa percepção, diz Almeida.
O declínio do álcool está redesenhando a arte dos coquetéis, provando que sabor e sofisticação não dependem de um teor alcoólico. Seja por saúde, economia ou estilo de vida, a coquetelaria sem álcool veio para ficar – e os bares que não se adaptarem correm o risco de ficar para trás em um brinde que, agora, celebra a sobriedade com o mesmo requinte de sempre.